Vários anos atrás um homem bateu à porta frontal de casa, era início de noite. Eu e meus irmãos éramos crianças e adolescentes, mas já fazíamos tarefas no turno inverso ao período escolar para ganhar uma grana e ajudar nas despesas do lar. Dona Nilza minha mãe foi atender, do lado de fora um sujeito aos prantos segurava um papel que dizia ser um receituário médico, na outra mão trazia um punhado de moedas. Dizia que seu filho estava muito doente, o médico havia prescrito uma medicação, como ele não tinha o dinheiro estava batendo de porta em porta, “desesperado” em busca de doações para poder medicar a criança. Eram tempos bem difíceis para nós. A mãe sempre teve um coração muito bondoso, quem a conhece pessoalmente sabe disso. Ela foi até sua bolsa e catou algumas moedas, que nos fariam falta e, comovida, alcançou ao homem, que agradeceu e se despediu. Eu e meu irmão Júlio Antônio fomos até a esquina próximo de nossa casa e nos deparamos com o sujeito na mesa de um bar e armazém que à época era tocado por Armindo Vieira e sua esposa Marieta; estava bebendo. Ou seja, inventou uma história falsa, abusou da boa vontade alheia e tirou dinheiro de pessoas pobres com o único intuito de beber. Isso ocorreu há quase quarenta anos, até hoje não me esqueci, provavelmente jamais sairá da parede da memória a insólita situação vivida.
Continuamos tendo muita dó pelas pessoas que por razões diversas não podem se alimentar de forma adequada, mas ainda existem pessoas de má fé que manipulam a sensibilidade humana para satisfazer desejos desnecessários para a essencialidade existencial.
Certa vez um homem pediu uma ajuda para uma vizinha nossa, disse que estava com fome. Ela se lembrou que sua irmã havia comprado um pão de forma, sem saber que ela também estava trazendo um do supermercado. Ela então embalou o pão numa sacola, quando foi alcançar ao pedinte ouviu: “Isso é pão. Pão eu tenho em casa”. Queria dinheiro, não estava com fome. Existe uma expressão que está amparada na religiosidade para promover referência ao desjejum necessário para nossa sobrevivência: o pão nosso de cada dia.
De forma que a necessidade básica se confunde com desejos excusos, você nunca sabe quando a precisão realmente se enquadra no essencial. Continua muito difícil ajudar, infelizmente.
Um amigo já de longa data lembra de um tempo em que ajudava muitas pessoas. Comprava cestas-básicas e entregava na periferia, numa época em que a nomenclatura “Vila” ainda era aplicada. No dia posterior à entrega não havia mais nada em algumas residências, a comida tinha sido trocada por cachaça e as crianças continuavam passando fome.
Não estou dizendo que não precisamos ajudar, não me interpretem mal. É que existe muitas falcatruas até nos pedidos de socorro. No fim das contas, muitas vezes quem realmente precisa e está impossibilitado dentro das necessidades vitais fica sem receber a ajuda que foi repassada para lobos travestidos de cordeiros.
Vergonha alheia
