Como fisioterapeuta já enfrentei situações bem complicadas diante da dor alheia, que obviamente também me causa comoção. Em doze anos de exercício profissional coleciono histórias que renderiam um livro de conteúdo muito intenso.
Dentre as histórias me ocorre uma que me marcou em especial. Um senhor bateu na porta de minha casa, desejava que eu fosse atender seu irmão que sofrera um AVC e estava morando num residencial particular. Combinamos que no dia seguinte nos encontraríamos na frente do residencial e entraríamos juntos para ele me apresentar como fisioterapeuta de seu irmão. Chegando numa sala percebi que os residentes estavam participando de uma corrente de oração. O senhor então me apresentou ao seu irmão e eu o comprimentei e sentei ao seu lado esquerdo. Usando o braço não afetado pela patologia ele agarrou minha mão direita e levou ao seu rosto enquanto chorava copiosamente. Quando sofreu o primeiro AVC ele havia sido diagnosticado como hipertenso, devia tomar remédio para o resto da vida para regular a pressão arterial. Conseguiu uma recuperação rápida e sem sequelas. Entretanto, nos finais de semana deixava de tomar a medicação para ir aos bailes beber e namorar, havia ficado viúvo relativamente novo. Não seguiu o conselho de alguns amigos que pediam para se cuidar, Deus havia lhe dado uma segunda chance. Diante da negligência acabou sofrendo o segundo acidente vascular cerebral, esse bem mais grave. Ele então perdeu os movimentos do lado direito do corpo e também a voz, foi parar numa cadeira de rodas usando fraldas. Com o tempo compreendi que ele se sentia culpado pelo fato de ter negligenciado os cuidados com a própria saúde, por isso chorava em arrendamento. O senhor que o acompanhava praticamente todos os dias no residencial além de irmão mais velho era uma espécie de pai, havia lhe ajudado muito na criação. Porém esse senhor também tinha seus problemas de saúde, sofria por exemplo de insuficiência cardíaca. Num sábado pela manhã li no obituário de um jornal que ele havia falecido, à época sua esposa me contou que estava estranhando o fato dele não ter se levantado ainda, quando foi até o quarto notou que estava morto, sofreu um infarto enquanto dormia. Passei todo o domingo pensando como seria atender meu paciente na segunda-feira pela manhã, será que ele sabia da morte do irmão?
Ao chegar até o quarto tive a certeza de que ele sabia, estava com os olhos vermelhos e trazia no rosto um olhar despido de esperanças. A partir daquele momento começou a regredir e mergulhou num abismo sem volta. Quando soube de sua morte já fazia uns cinco meses que havia deixado de lhe atender, aquele homem sofreu muito antes de partir.
São histórias que têm o cunho pedagógico, precisamos ter cuidados mínimos com nossa saúde, para evitar um final de vida abrupto e com muitos sofrimentos. Viver é maravilhoso, mas com precauções.
Dores desnecessáris e um triste fim
