A lei do retorno

Durante cerca de quatro anos atendi uma idosa que morava no Bairro Quinta da Boa Vista, na condição de minha formação acadêmica em fisioterapia. Ela faleceu em dezembro do ano passado, mas alguns de seus ensinamentos continuam muito vivos em minha memória. Dentre eles uma frase que versa: “A praga é dividida”. Ou seja, independente de sua crença, tudo aquilo que você deseja ou pratica é um espelho reflexivo, não tem como escapar daquilo que somos. Da mesma forma, quando desejamos o bem do próximo sem que isso represente o mal de outros estamos fazendo um bem a nós próprios. Quando ajudamos alguém em dificuldades, estamos fazendo um bem também a nós próprios. A justiça divina é infalível, a dos homens está sujeita a erros, haja vista que seres humanos nesse plano passageiro estão longe da perfeição; justamente por isso estamos aqui, à procura da evolução em estágios que não raras vezes são distintos.
Em outubro de dois mil e nove eu cumpria um estágio em fisioterapia hospitalar, praticamente às vésperas de minha formatura. Me recordo de um paciente com prescrição para fisioterapia respiratória , um carcinoma metastático iniciado nos pulmões provocava um quadro de dor intensa, a aplicação de morfina promovia pouco alívio do sofrimento. As pernas ficavam muito inchadas, um simples toque com a ponta dos dedos era suficiente para desencadear uma síndrome dolorosa a ponto dele gritar. A abstinência do tabagismo durante o tratamento hospitalar gerou uma aflição enorme, a ponto dele implorar a um dos médicos que o atendiam por um cigarro, apenas um; ele fumava duas carteiras por dia. Numa tarde, ao realizar manobras respiratórias em seu tórax percebi um semblante de tristeza na falta de esperança, ele então chorando me disse: “Tô vendo no seu olhar que o senhor tá com pena de mim porque sabe que eu vou morrer, doutor!”. Menos de duas semanas depois, veio a óbito. Passearam-se alguns dias e vi num jornal uma publicação onde a família convidava parentes e amigos para missa de sétimo dia, no material estava estampada a foto do falecido. No dia seguinte, estava num churrasco dominical quando de repente uma mulher que lia o mesmo jornal me disse: “Faleceu o homem que me atropelou”. No passado ela havia sido atropelada por um motorista, sofreu várias fraturas, passando por cirurgias para fixação interna para correção. Aquele homem em nenhum momento a procurou para saber como estava e se precisava de algo, tanto durante o tratamento hospitalar como na fase de recuperação em casa. Eu já tinha conhecimento prévio dessa história, assim que ela proferiu as palavras olhando para o jornal imediatamente me veio à memória a imagem daquele homem, então pedi para ver. Expliquei que não somos ninguém para julgar, os desígnios de Deus estão muito além do alcance de nossa compreensão, mas me apresentei como testemunha de que antes de partir ele havia sofrido muito. Obviamente, nem eu e a pessoa com a qual conversava queríamos isso, até porque temos a grandeza espiritual para entender que os castigos são entidades privativas a Deus, nosso Pai.
São várias as lições que o mundo nos proporciona a todo instante, é preciso ter não inteligência, mas sensibilidade acurada para interpretar os signos e entender que por aqui estamos de forma passageira para aprendermos uns com os outros.

Os comentários estão encerrados.

Crie um site ou blog no WordPress.com

Acima ↑

%d blogueiros gostam disto: