Eram 11h e 20min da manhã, quando escutei um barulho vindo do quarto da Ana. Era domingo, dia bonito, estávamos atrasados para sair para almoçar na casa da vó. Ao ouví-lo me assustei, o que foi agora!?
O barulho veio acompanhado de um grito: nãããoooo. Tinha deixado a Ana escolher a roupa que ela ia sair, dentro das possibilidades que eu já tinha estipulado e ela estava quietinha no seu quarto – quieta demais para ser franca.
Voltemos ao barulho, assim que escutei, larguei tudo o que estava fazendo e fui em direção ao quarto dela.
Lá estava ela, minha pequena pessoa de 4 anos, uma cópia minha, com os olhos marejados. Em suas mãos um pequeno tênis preto com o desenho da Minnie, já marcado com o tempo de uso.
Ela me olha e diz: “tá apetado”, tremendo os lábios e chorando mais ainda. Uma verdadeira cascata brotava de seus olhinhos. Aí que eu fui entender o motivo: o tênis não cabia mais.
Fui paciente. Acolhi. Limpei as lágrimas. Mas estava inconsolável. Só aquele tênis preto combinava com a roupa preta que ela estava usando, todas as outras opções eram horríveis na mente dela.
Na minha cabeça só pensava: que bobagem! Estamos atrasados. Quanta frescura!
Mas abracei. Acolhi.
Porque? Eu preciso me lembrar constantemente que eu não posso medir o sofrimento dos outros com a minha régua do sofrimento. Ela só tem 4 anos, não conhece nada da vida, se frustrou pouquíssimas vezes até hoje, um tênis que não serve mais, certamente é uma grande frustração. Igual quando eu não deixei comer picolé quando fazia 7° graus ou quando chorou desesperadamente quando o seu cachorro não quis usar a tiara com laço prateado.
Ela não sabe nada vida.
As frustrações é que fazem ela amadurecer.
É um exercício diário, se por no lugar do outro, sentir o sofrimento do outro, estar na condição do outro. Vejo relações que parecem mais um show de lamúria. Um querendo mostrar que o sofrimento do outro é menos válido.
Preste atenção quantas vezes você não acaba, até inconscientemente diminuindo a dor do outro pensando…que bobagem…quanta frescura…queria ter problemas assim…!
Como você gostaria de ser acolhido quando se vê em uma situação que ” seu tênis preferido não lhe serve mais”? Como você gostaria que fosse quando a tragédia entra na sua vida sem carta prévia de anunciação? Eu gostaria de ser abraçada, e não julgada. Cansei de chorar por coisas que aos olhos dos outros são besteiras.
Ao entender isso, você acaba por parar de medir a dor do outro com a sua régua da vida. É óbvio que ao ouvir um jovem de 15 anos ou uma criança de 4 anos, você pensará: nossa, não entende nada da vida! Como é mais óbvio ainda, que se você falar com uma senhora de 90 anos ela irá rir de seus problemas.
Mais amor ao falar.
Mais paciência ao ouvir.
Para ser acolhido é preciso acolher. Acolher é dar como suporte, carinho. Amar é acolher. Acolher é alojar o outro dentro do nosso próprio coração.
Amar é acolher.
