É preciso falar o óbvio, falar o que já foi dito mais de milhões de vezes. Falar até que a voz falhe. É preciso falar até o dia que não seja mais preciso.
Você já deve ter visto em algum lugar neste mês de Abril, informações ou homenagens sobre o Autismo, ou melhor Transtorno do Espectro Autista, pois, dia 2 de Abril, é mundialmente conhecido como o Dia Mundial da Conscientização do Autismo. Pois bem, parece um assunto super já entendido, eu também achava isso, mas não. Quero usar este espaço, essa semana, para trazer um relato de uma mãe de um paciente meu, que por ventura é Autista.
A própria estava participando de uma imersão com um Coaching muito famoso, um mega evento de um final de semana inteiro, muito divulgado e muito bem conceituado. Pois bem, palestra vai, palestra vem, até que o famoso Coaching começou a falar sobre criação de filhos (que não me espanta que pessoas que não tenha a mínima formação sobre desenvolvimento infantil acharem que podem dar pitaco sobre os filhos alheios) e os perigosos efeitos dos eletrônicos nas crianças… Até aí, tudo bem, segue o baile.
O palestrante começa a mostrar fotos de crianças viciadas em telas, utilizando da emoção para impactar e assustar os que ali assistiam tudo. Até que o infeliz, teve a péssima ideia de associar as telas com o Autismo, pois, segundo vozes da cabeça dele, só existem autistas no Brasil ou nos Estados Unidos, por pais e filhos ficarem muito no celular, reforçando o estereótipo que os pais são culpados pelo autismo dos filhos. Para piorar, no telão começou a aparecer imagens de remédios faixa preta, e a fala se voltava aos perigos de medicar crianças e novamente culpabilizar os pais por estarem “dando” remédios para os filhos, o que para alguns casos de autismo a medicação se faz estritamente necessária.
Se para vocês, todo esse assunto é chocante, imaginem para um mãe solo, de uma criança autista, que ainda sofre a aceitação e a rejeição da sociedade quanto ao seu filho.
Nesse momento ela só tinha duas opções, ou pegar o palestrante pelo pescoço, ou sair da sala. Usou a última . E desabou a chorar no banheiro. Uma das organizadoras do evento, observando o desespero da situação, saiu atrás, tentando diminuir a situação, pediu para ver uma foto do filho da minha paciente, e soltou a mais grotesca pérola:
ele é tão lindo, nem parece autista.
Alguns que leram até aqui, podem me achar melodramática ao narrar a cena, mas infelizmente não é. Há pouco mais de 50 anos, o tratamento do autismo era baseado no conceito da “mãe geladeira”, onde as mães eram responsáveis pelo autismo dos filhos, pois resumidamente “não davam amor suficiente aos seus filhos”, e o tratamento em alguns dos casos era inclusive a retirada dos filhos do poder de suas mães. Pelo relato acima, ainda parecem ter algumas pessoas que reforçam essa teoria.
Já não basta a dor de ter que lidar com um diagnóstico de um futuro incerto, ainda existe a culpa.
Uma família atípica (como se fala de famílias que possuem algum autista) não precisa de pitacos ou teorias sem nexo e antiquadas, uma família atípica, só precisa de compreensão, respeito, empatia e inclusão.
Que cada vez menos, deixemos que a ignorância tome conta de discursos perigosos e violentos. E que o dia da Conscientização do autismo seja celebrado todos os dias, para que a inclusão não seja só no papel e que aconteça no lar de cada um de nós.
Eu não preciso ter um autista na família para lutar pela conscientização do autismo, você precisa?
É preciso falar sobre o Autismo.
